novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

REAL - Loucuras...

Um querido amigo solicitou que eu escrevesse algo sobre a época em que trabalhei como psicóloga.
Como faz muito tempo e não mais me atualizei sobre isso, apenas colocarei aqui lembranças vagas de uma louquinha que um dia resolveu fazer a faculdade de Psicologia.
Então, quem esperava aqui no post algo do tipo Rita Lee:
Mania de você... esqueça!
 Vou contar um pouquinho de minhas experiências com a "loucura" durante a faculdade.
1. Psicologia escolar.
Estágio em uma escola próxima da PUC (na época).
Claro que peguei um caso bem diferente:
uma menininha tinha perdido o irmão mais velho há pouco, assassinado. Atendi a aluna e depois fui na sala em que nos reuníamos para contar para nossa supervisora sobre a manhã de estágio. Enquanto esperávamos a professora, cada uma contava sobre o que tinha acontecido. Quando falei que a minha "aluna-paciente" via e conversava com o irmão morto foi um tal de "uau" "você pegou um caso de esquizofrenia" "a menina está piradona" "neurose pura" etc. Ingênua que eu era, não falava o que pensava. Na época (eu tinha uns 19-20 anos) eu era uma ignorante tímida, que receava falar o que pensava (em parte resquícios de uma infância com um pai nordestino militar e uma mãe alemã, além de 3 irmãos mais velhos). 
Quando a supervisora do estágio, nossa professora, chegou, elas ficaram excitadas para que eu contasse logo o meu "caso". Comentei. Ela perguntou: "o que vocês acham que é?"
Cada uma foi falando que era caso de neurose, psicose, esquizofrenia, etc.
Então a professora se virou para mim e perguntou: "e você, Susan, o que acha?"

Tomei coragem e disse que achava que não era nada disso. Ele era o irmão favorito e foi assassinado quase que na frente dela. Para mim era uma tentativa de "luto" da menina, um luto prolongado, pois ela tentava ter o irmão por perto sempre.
Enquanto comentava isso percebia pelos cantos dos olhos o ar de reprovação das colegas, mas nem liguei. Foi uma das raras vezes de juventude que me posicionei firme. Qual a minha surpresa quando a orientadora confirmou meu ponto de vista. Comentou que provavelmente era isso, mas que eu devia acompanhar o caso bem de perto e ver a evolução. Foi uma das primeiras vezes que me senti segura como profissional.
 2. Psicologia clínica.
Estágio no Hospital Psiquiátrico (na época se situava no Alto da XV, hoje não sei).

Como o tempo de estágio era só um semestre, tínhamos que escolher entre a ala masculina, feminina e dos alcóolatras.

De novo, na minha inocência, achei que pegar a ala masculina seria a pior. Acreditei que poderia lidar melhor com as mulheres. Mas na primeira semana esta ala estava "lotada" de alunos e a professora resolveu fazer um pouco em cada uma. Iniciei com a feminina.

a. Ala Feminina: Nunca em minha vida fui tão tocada, assediada e cantada por mulheres em toda a minha vida. Foi difícil lidar com elas e com a sensação de repulsa que me provocavam na época (depois fui aprendendo a controlar minhas emoções).

b. Alcoolismo: Depois fiquei um tempo na ala dos alcóolatras. O dia mais impressionante foi quando eu estava tentando conversar com um deles (a polícia os levava quando os encontrava na rua, caídos). Eles ficavam deitados, recebendo soro. Teve uma hora que ele parou de me ouvir, olhou apavorado para os lençóis em cima de seu corpo e começou a gesticular desesperado para que eu o ajudasse a tirar os ratos de cima dele. Com os gritos e os gestos eu me senti acuada e comecei a "espantar" os ratos de cima dele. Não sei porque aquele foi meu último dia nesta ala.
c. Ala Masculina: aqui foram dois casos tragi-cômicos. Conto os dois: pediram que eu pegasse a chave do quarto de um paciente, disseram que eu jamais deveria deixar ele sair do quarto. OK. Fui... longo corredor cheio de portas. CLARO que o quarto do "meu" paciente era o último do longo corredor. Abri e olhei: ele sentado na cama, pernas cruzadas altas, braços ao redor das pernas, balançando o corpo e falando baixinho. Olhou-me de esguelha. Não me pareceu agressivo. Entrei e tranquei a porta. Sentei ao pé da cama e fiquei conversando com ele. Até que o mesmo vira os olhos para a parte superior da parede oposta a nós (ao lado da porta) e pede silêncio para mim com o dedo nos lábios. Fico quieta e inicio uma apreensão. Pergunto depois de algum tempo de silêncio: "o que foi?" E ele diz apontando para o local antes indicado: "é o Sol. Ele está falando comigo!". Eu por dentro: "aimeudeus... e agora? Pergunto ou não pergunto o que o sol está falando para ele?" Antes que eu me respondesse, ele se volta com olhar desconfiado e indaga: "quer saber o que ele está me dizendo?" Como sua voz me pareceu um pouco alterada, eu disse que não precisava e me levantei "calmamente". Ele também se levanta. Não me recordo (eu juro que não lembro MESMO), o que foi dito por nós naquele looongooo trajeto entre a cama e a porta (naquele cubículo que devia ter 2 ou 3 metros quadrados). Só lembro de estar do lado de fora da porta, trancando a mesma com dedos trêmulos e suspirando aliviada.
  Quando termino de trancar e me viro para o longo corredor, vejo um "louco" gritando e correndo na minha direção. É final do corredor, lembra? O que devo fazer? Olho para a porta da qual acabei de sair com alívio e olho de novo para o "louco", que grita, correndo na minha direção. Quando finalmente enfio a chave na fechadura ele já está ao meu lado, bate com a mão na parede atrás de mim e volta correndo para o início do corredor (ainda gritando).  
 Você sabe o que é paralisia e pernas tremendo? Neste dia eu soube!
Saio dali devagar. Rezando para que o semestre acabe logo!
 3. Psicologia hospitalar.
Estágio no Hospital Pequeno Príncipe e Cesar Perneta.

Quando passamos por situações ruins temos a tendência de pensar: "o pior já passou". Afinal, o que poderia ser pior do que estas situações acima citadas? Ledo engano! A área de atuação que me deram no Hospital? Crianças na oncologia! Não tinha UM dia em que eu não saísse dali abalada. Ver crianças com câncer (naquela época) era como ver um condenado à morte. Muitas que eu tratava em uma semana, em meu retorno na semana seguinte já não estavam mais ali. 

Meu caso: uma menina de 13 anos que tinha que amputar a perna por causa de um tumor ósseo. Conseguem imaginaruma menina (na idade da vaidade) ter que saber que perderá uma perna. E eu teria que preparar a paciente para receber a notícia.  
Como eu gostava da ludoterapia, a levei até a sala de ludo. Coisas acontecem, que não sei explicar. Enquanto a levava para a sala, empurrando a cadeira de rodas, eu ficava imaginando como faria isso. Para minha sorte um dos primeiros brinquedos que ali vi era o E.T. (na época um filme recente). 
Peguei o boneco e ficamos conversando sobre o filme, relembrei que a primeira impressão que tiveram do E.T não foi boa por causa da aparência diferente dele, mas que depois todos o aceitaram porque viram como ele era por dentro. Na verdade tudo isso eu tirei da menina sem falar nada, apenas perguntando e ela foi mostrando e percebendo que o ET por dentro era tão bonito que permitia amizades verdadeiras e etc.. um blá blá bde dias que me permitiu que eu conversasse com ela sobre a amputação sem maiores danos. Ela mesma refletiu sobre as conversas anteriores sobre o boneco. E percebi o quanto isso a ajudou quando, no dia da cirurgia, ela pediu que o boneco fosse junto.
Enfim, estas foram algumas aventuras de uma estudante de Psicologia.
(imagens: obras de arte, foto do Manicômio do Juqueri, imagens retiradas da internet) 
 

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