novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......
convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

REAL - Cortázar e Bix Beiderbecke

Uma breve leitura de Bix Beiderbecke


Se o caro leitor dessas cronópias linhas ainda não leu o conto inacabado de Cortázar, por favor, procure-o imediatamente. Finalmente traduzido, por Cassiano Viana, e lido no Odeon (Cinelândia - Rio de Janeiro) em 12 de julho de 2006, Bix Beiderbecke é considerado o último conto escrito por Cortázar.
O conto, como já dito, é inacabado. Ele termina em reticências porque foi impossível decifrar as últimas palavras, conforme citação de Cassiano na publicação de Bix: “Cortázar escrevia à máquina, mas fazia suas correções à mão e nesse conto específico foi impossível decifrar as quatro últimas palavras na última página elaborada; assim, ficou resolvido que iriam publicá-lo finalizando com reticências” (Viana, 2006, p. 14). Mas, na verdade, pouco importa se Cortázar terminaria o conto com um ponto final ou até com uma exclamação! Pois as reticências e as interrogações são elementos recorrentes em sua obra (se não textualmente, com certeza em seu contexto).
Inacabado! Essa palavra incomoda. Ao lermos as últimas palavras do conto ficamos esperando mais. É típico do ser humano gostar de linearidade em sua vida, e não estou aqui falando apenas de literatura. Começo, meio e fim são importantes, seja em um caso de amor, em um trabalho ou em situações familiares. Procuramos sempre um ponto final. Aceitamos uma exclamação! Mas as interrogações e as reticências incomodam... coisas inacabadas são como promessas desfeitas. São uma situação suspensa no ar.
Apesar disso, o fato de estar inacabado não desvaloriza o conto, pois, como disse o personagem de Cristóvão Tezza em Breve espaço entre cor e sombra: “Não se surpreenda: as obras de arte também obedecem às leis do DNA. Um pedaço contém potencialmente todo o resto. (...) Eu acho que isso acontece com todas as artes. Na literatura, por exemplo. Kafka tinha o costume de não acabar os livros; não precisava. A parte contém previamente o todo” (Tezza, 1998, p. 19). Também no conto encontramos o DNA de Cortázar: um DNA visual-sonoro, um DNA espaço-tempo, um DNA erótico.
E são esses DNA minúsculos, essas reticências, que passam a povoar o interior do leitor, fazendo-o sentir-se perdido em um meio-termo, em um entre-lugar. Somos deslocados por Cortázar e empurrados através de um ponto vélico que nos revela outras realidades possíveis. Cito o ponto vélico e me coloco na obrigação de explicar o termo, ainda desconhecido para a grande maioria das pessoas. Cortázar o cita em um ensaio intitulado “do sentimento do fantástico”[1] aproveitando a escrita de Victor Hugo: “ ‘Ninguém ignora o que é o ponto vélico de um navio; lugar de convergência, ponto de intersecção misterioso até para o construtor do barco, no qual se somam as forças dispersas em todo o velame desfraldado’ (...) O fantástico força uma crosta aparente, e por isso lembra o ponto vélico; há algo que encosta o ombro para nos tirar dos eixos” (Cortázar, 1993, p. 179). Assim, considero ponto vélico qualquer elemento (pessoa, objeto, fala, acontecimento) que nos desloca, que nos faz refletir sobre novas possibilidades e sobre encontros fortuitos (que, como afirma Cortázar, não o são), que nos faz abrir os olhos para outras realidades[2].
No caso desse conto o ponto vélico é a música, que carrega em suas notas o espírito da panamenha (e do leitor) para outro espaço e tempo, mantendo contato com o músico Bix (e de certa forma, também com o político Omar). Cassiano Viana teve o cuidado profissional de levantar dados sobre os dois personagens. Descobriu que Omar é, provavelmente, Omar Torrijos Herrera, presidente do Panamá, morto em um acidente de avião em 1981. Lembrem-se que Cortázar deixou de brincar, nesta realidade, em 1984. Já Bix, músico de jazz, faleceu em 1931. Cinquenta anos separam a morte dos dois personagens do conto. Mas, e daí? Tempos e espaços são apenas formalidades. Formalidades essas que Cortázar dispensa com todo o prazer de uma criança que está brincando...
Retornando à questão musical, é interessante observar que a vida da panamenha é como um filme (imagens e sons). O visual, tanto dos olhares de Omar para ela (assim ela o achava), quanto os reflexos no espelho, de sua família que vinha observá-la “entretida” no discurso político da TV. E o sonoro com as músicas de Bix, já falecido, mas ainda vivo e presente (talvez mais do que nunca) através de sua música. Essa passagem temporal, que a música permite, já foi abordada por Cortázar em outros instantes de sua obra (“el perseguidor”, por exemplo); além da gravação que fez de alguns de seus contos em cd, e que brinca que está falando para pessoas que não estão presentes, e que depois ele pode não estar mais presente quando as pessoas o escutarem.
É o famoso estranhamento na obra de Cortázar: desordem do tempo e do espaço cotidianos. Quem garante que a panamenha não está ainda em um terceiro tempo e espaços, diferente do de Bix e diferente do de Omar? Pode-se ler o conto como o devaneio da jovem panamenha, de imaginação fértil, fantasiando Omar com seus discursos políticos e, após a morte dele, transferindo seu desejo para Bix. Afinal ela conheceu a ambos na mesma época (cf. p. 06): Omar pela televisão, (outro ponto vélico?) em que, para ela, ele apenas o fazia para observá-la no sofá. E Bix através do disco que um primo mostrou. A panamenha afirma: “Claro que Bix não podia me olhar como Omar; nos tempos de Bix não havia televisão, mas que importava?” (Viana, 2006, p. 07). Para ela, Bix a olhava como Omar, mas através da música. Assim como certas palavras de Omar eram escolhidas por ela para serem exclusivas à si própria, também certas notas ou solos eram somente para ela. Típico de adolescentes que se creem o centro do universo.
Um a olhava pela TV aos domingos e o outro na casa da namorada do primo. Quando soube da morte de Omar (desfazendo assim toda e qualquer esperança de algum dia se encontrarem de verdade, supondo que os tempos e espaços sejam os mesmos), ela abraçou o disco (a única esperança que lhe restou), mas o largou logo em seguida. Com este ato sabia, de antemão, que também perderia Bix, pois seus pais o jogariam fora (como de fato ocorreu).
Nesse ponto houve a transformação, como se Omar lhe mostrasse outras possibilidades de contatos, o próprio corpo da panamenha se revela (em outra menstruação) mostrando-lhe como ter contato com Bix de outra forma, que não a platônica. Nesse momento ela fica com Pedro (apenas porque era jovem como Bix), e, ouvindo a música de Bix, Royal garden blues, transformou a dor da penetração em gozo.
Quando a panamenha comenta que estava em Ohio ou Maryland com Bix e seus rapazes ela cita a drogadição com hash, e isto pode levar o leitor a pensar nas alucinações de pessoas que estão sob o efeito dessa droga. Esta ideia pode ser corroborada pela repetição de que é panamenha e logo em seguida está em Ohio ou Maryland. O amalgamento de não somente tempos, mas também de espaços, provoca novo estranhamento. Além disso ela também usa as palavras como uma droga, para se aproximar do leitor/ouvinte, como se nos acariciasse ou nos lambesse (cf. p. 10).
Ao encontrar Bix ela afirma que não aguenta mais o fato dele estar sempre observando-a. Esta afirmação provoca uma troca de papéis, pois ele sugere que ela o observe, o que ela fará, seguindo a Bix em suas excursões. É interessante quando ela comenta da vida de Bix, que lá pelas cinco da tarde “os olhos iam ficando de vidro” (p. 11), pois esse comentário tanto pode ser relacionado com o problema com álcool ou drogas, quanto pode remeter ao olhar vitrificado, porque televisivo, de Omar.
Outro ponto interessante é quando a panamenha fala do show de Bix da noite anterior e diz que o verá no próximo, ao que ele rebate: “espero que não sejas uma dessas fanáticas que não perdem um. É algo que nunca pude suportar, duas vezes o mesmo rosto no meio da platéia me tira até a vontade de viver. Sinto como se fosse necessário repetir os solos que toquei na noite passada e isso é algo que não farei jamais na vida”. (Viana, 2006, p. 11). Essa não repetição, esse viver diferente a cada instante, essa necessidade de se observar coisas novas é o que, de certa forma, a panamenha faz ao colocar-se vivendo junto com Bix. Mas a repetição pode ocorrer. Não sabemos ao certo onde nos situamos, em que espaço e tempo nos deslocamos. Tal qual em uma fita de Moebius[3], podemos crer piamente que vivemos uma única e “real” realidade. Quando na verdade estamos pisando em duas faces de uma “realidade”. Assim, a panamenha está em uma realidade em que Bix não mais vive, mas consegue penetrar em outra, na qual Bix está mais vivo do que nunca e convive com ela. É um caminho novo e ao mesmo tempo recorrente. Como disse Bix: “quem sabe numa dessas noites não começo a copiar a mim mesmo, não seria o primeiro” (Viana, 2006, p. 12).
Enfim, ao repensar a questão do visual/sonoro, lembro de Cortázar, em uma carta à sua amiga Duprat, falando de pintura e de música. Na carta, Cortázar diz que talvez pintar à óleo seja como copiar a realidade mais imediata da paisagem, sua correspondência mesma. Já a aquarela captaria mais o “espírito” da paisagem, seria mais o voo da andorinha do que ela em si. Nesse sentido, ele compara essas pinturas com a música, dizendo que a pintura à óleo seria uma orquestra sinfônica e que a aquarela seria um quarteto de cordas, mais íntimo, mais sumido e menos exterior (cf. Cócaro, p. 21). Esse conto inacabado, é um quarteto de cordas, uma aquarela diluída que Cortázar nos brinda, simbolizando talvez a vida e a obra inacabadas de Bix. E agora, coincidentemente, sem Cortázar, a ponte inacabada entre autor e leitor, a ponte sobre um infinito de possibilidades.
Por fim, podemos agora fechar os olhos, aguçar os ouvidos e... escutaremos um dueto. Um dueto formado por Bix e Cortázar, tocando para Omar, para a panamenha e para nós!


Referências bibliográficas:

Cócaro. N. El joven Cortázar. Argentina: ediciones del Saber, 1993.
Cortázar, J. Bix Beiderbecke. (trad. Cassiano Viana). Incluso os textos “O último solo?” de Viana e “Sobre traduções e textos inacabados” de Löis Lancaster. Rio de Janeiro: Pocket Cat/Carlota edições, 2006.
Cortázar, J. Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1993.
Moura, S. B. P. Abrindo as portas para ir brincar nos espaços de Final del juego. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2004.
Tezza, C. Breve espaço entre cor e sombra.



[1] Que o leitor encontra no livro Valise de Cronópio.
[2] Sobre essa concepção favor ler a dissertação “Abrindo as portas para ir brincar nos espaços de Final del juego”, na internet.
[3] Coloco aqui a fita de moebius para que se possa observar como, se estivéssemos andando nela, estaríamos sempre andando em uma única face, quando na verdade são dois lados que existem. Basta perfurar a fita com uma agulha para ter esta certeza de duas “realidades” ou então nos afastarmos um pouco para vermos (do lado de fora da situação se observa melhor, não é o que dizem?). O mesmos e dá com a panamenha. Ela tem certeza de que vive um único “caminho” quando na realidade percorre duas facetas. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

FICÇÃO - ANA

Para C.L., que no interior é G.H., com amor.

A explosão do chicle na sua cara fez Ana se aprumar, com um susto na sua meia distração.
Ela olhou rapidamente ao redor para ver se seus colegas de sala viram e estavam rindo dela.
Mas alguns poucos observavam com atenção a fala do professor e a maioria estava entretida em seus celulares, seja no face ou outra atividade virtual. O real estava fora do alcance para eles.
Procurou então, rapidamente, antes que alguém visse e tirasse foto com o celular, postando na internet, retirar a gosma rosenta do rosto.
Porém, quanto mais procurava retirar os fiapos rosáceos, mais eles grudavam em seus dedos, cabelo, roupa, bochechas.
Não compreendia como ninguém tinha ainda a olhado, rido, tirado foto e postado a ridícula situação na internet.
Tentou fingir que prestava atenção no professor, mas quanto mais tentava, mais lhe parecia estarem em um quadro de Bruegel. Olhou de novo para os colegas, cada um na sua própria brincadeira de celular, candy crush, facebook, etc. Estava em um segundo quadro de Bruegel? 
Voltou a atenção para si mesma.
A goma estava cada vez mais entranhada em seu rosto. Parecia que ela estava se aproveitando da desatenção de todos para ir dominando o seu ser. Seus olhos estavam totalmente colados. Com força e dor conseguiu ir descolando suas pálpebras. Parecia-lhe que seus cílios estavam sendo arrancados.
Finalmente conseguiu abrir os olhos! E voltou a ver tudo cor de rosa chicle.  




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

REAL - O que é, o que é...

Viver e não ter a vergonha de ser feliz!
...
mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita!

Conheço muitas pessoas que se preocupam em demasia com o que os outros pensam ou falam. Sei que dizer para eles que isso é besteira e que deveriam viver suas vidas e esquecer os outros, é fácil. Pois no fundo todos nós, em algum grau, nos preocupamos com os outros. Com a idade tenho percebido que, cada vez mais, menos me importuno com o que os outros falam ou pensam. Afinal, não são eles que serão felizes ou não com o que vivo. A gente vai aprendendo. Principalmente observando pessoas que deixam de viver por causa dos outros.
Eu quero viver a minha vida, ser feliz. AMAR, fazer o que quero e gosto.
Quer saber minha opinião sobre este assunto? Viva e deixe viver!
Os outros (que gostam de pensar e falar da gente) sempre vão existir. Independente do que façamos, sempre vão falar.
Então, para que se importar com o outro?
SEJA FELIZ!  Não ligue para os outros!
A vida é MUITO curta para deixar de viver e ser feliz por causa dos outros.
Não faça o mal a ninguém, esta é a única regra. 
De resto, ame, grite, chore, abrace, beije. Seja FELIZ!
A vida é realmente muito curta.
Mas, claro, o ditado de: "quando um não quer dois não fazem" cabe também aqui.
De nada adianta um querer, querer amar, beijar, ser feliz. Se o outro tem medo do que os outros vão falar ou pensar.
Daí, quem quer, tem que acabar ficando na sua. 
E azar dos dois. Pois se perde a chance de um belo amor.
Mas... tudo bem. Porque mesmo assim... é bonita, é bonita e é bonita!
Segundo o psiquiatra Roberto Shinyashiki as pessoas se importam com o que os outros pensam porque: 
Fazemos isso porque a solidão é apavorante para a maioria das pessoas. O ser humano precisa se sentir importante e, por isso, a opinião dos outros vira referência do quanto é amado. A partir daí, infelizmente, muita gente faz o que não quer só para agradar e se sentir aceito”.
O que é melhor? Ser "aceito" por uma maioria ou ser aceito por quem a gente ama?
Para finalizar: Ando Devagar! Porque já tive pressa. Mas agora, quero desfrutar de cada momento, de cada instante de forma intensa... sendo feliz. E, se quiser me acompanhar, seja bem-vindo!